terça-feira, 18 de dezembro de 2012

conceição (*)


Gosto de me sentar numa esplanada, papéis espalhados pela mesa, uma ou outra leitura e alguma escrita. Com a chegada dos dias pesados, em que o calor nos comprime debaixo da grande bola de fogo, sabe-me bem um fim de tarde à sombra, com vista sobre o casario diverso que compõe a praça, à sombra do olhar vago e perdido no horizonte de Pêro da Covilhã.

Hoje lia. Folheava artigos, oscilava entre diferentes autores enquanto reformulava parágrafos mentais que, obrigatoriamente, devo plasmar em papel e enviar a quem de direito.

Perde-se-me, também a mim, o olhar no horizonte. Ruídos de motores confundem-me os sentidos. Um desfilar de automóveis num pára-arranca quase ébrio faz-me esquecer a leitura agendada; o tic-tac maquinal, industrial vai sonorizando a pintura impressionista que os meus olhos vão (re)criando... a grua que balança e se verga sob o peso dos materiais que transporta...

Nisto, um ponto preto destaca-se do quadro que se desdesenhava - tradução livre de um fenomenal conceito castelhano - à minha frente. Um passo certo e compassado, numa passada curta mas decidida que eu reconheço e temo. Recordo esses passos como uma das mais fortes memórias de infância, os mesmos passos que aterrorizavam qualquer um de nós, dentro daquela sala onde os números passaram a ser números e as letras, todas as palavras do mundo.

reconheço-lhe a passada miúda, o semblante carregado e seco, a postura irrepreensível. Sei que, de uma ou outra forma, lhe devo muito do que sou e, para além disso, sou muito do que ela é.

Olho-a novamente, enquanto o meu olhar ainda a pode acompanhar, antes de que a praça se lhe acabe. reconheço-lhe alguma debilidade, talvez derivada da idade ou de qualquer outra rasteira da vida, dessas que nos atropelam sem darmos conta. Vejo-a magra como uma dúvida mas forte como uma certeza e, em silêncio, agradeço-lhe os meus primeiros quatro anos de escola e todos os outros que se lhe seguiram.

"Obrigado sra. professora". Em pé. Naturalmente.

(*) Escrito originalmente no verso de "Adquisición y/o aprendizaje del español /LE", de Marta Baralo, nos inícios do mês de Junho 

(**) Fotografia emprestada, daqui.

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