terça-feira, 18 de dezembro de 2012

natal (*)


Ontem foi natal. Ou melhor, o pinheiro de natal cresceu, enfeitou-se e, no fim, iluminou-se. As decorações guardadas no início do ano foram resgatadas do pó que acumulavam, bolas, velas, estrelas, pequenas luzes e até o presépio, tudo teve direito a ver, de novo, a luz do dia.

As hastes do pinheiro foram esticadas, torcidas e retorcidas; finalmente foram retocadas, quando o canto da sala recebeu o tripé onde um frio ferro permite um entrelaçar de plástico que simula o verde das florestas que o inverno sempre permite.Depois da estrela ocupar o lugar que, obviamente, lhe é devido, as luzes acenderam-se e o olhar do mais recente membro da família iluminou-se na mesma proporção.

Enquanto que o olhar do pequeno Gui  não se desviava das luzes que, de forma ritmada, acendiam e apagavam de forma inebriante, os nossos olhos não podiam afastar-se dos dele, da magia que tudo aquilo representava para os seus inocentes 5 meses. É certo que a única magia era a dos reflexos e das luzes, ainda não há magia de natal, nem das reuniões familiares, da entrega de presentes, da existência do pai-natal, nem da esperança crescente no futuro. Apenas e só a magia da luz, do brilho e dos reflexos.

Ainda hoje, um dia depois, recordo a forma como aquele pinheiro foi o centro das atenções. Ainda hoje recordo como o natal se deu a conhecer ao Gui. O primeiro de muitos. Aquele em que o natal voltou a entrar nas nossas vidas com aquela dose de ilusão e alegria que preencheu a nossa infância.

E ontem, enquando as luzes acenderam aquele olhar, outras luzes se acenderam. Algures. Onde quer que estejam, terá havido algumas estrelinhas que brilharam mais na noite escura e fria que nos envolvia.

É este o eterno retorno. 


(*) Escrito inicialmente a 3 de Dezembro de 2012. 

conceição (*)


Gosto de me sentar numa esplanada, papéis espalhados pela mesa, uma ou outra leitura e alguma escrita. Com a chegada dos dias pesados, em que o calor nos comprime debaixo da grande bola de fogo, sabe-me bem um fim de tarde à sombra, com vista sobre o casario diverso que compõe a praça, à sombra do olhar vago e perdido no horizonte de Pêro da Covilhã.

Hoje lia. Folheava artigos, oscilava entre diferentes autores enquanto reformulava parágrafos mentais que, obrigatoriamente, devo plasmar em papel e enviar a quem de direito.

Perde-se-me, também a mim, o olhar no horizonte. Ruídos de motores confundem-me os sentidos. Um desfilar de automóveis num pára-arranca quase ébrio faz-me esquecer a leitura agendada; o tic-tac maquinal, industrial vai sonorizando a pintura impressionista que os meus olhos vão (re)criando... a grua que balança e se verga sob o peso dos materiais que transporta...

Nisto, um ponto preto destaca-se do quadro que se desdesenhava - tradução livre de um fenomenal conceito castelhano - à minha frente. Um passo certo e compassado, numa passada curta mas decidida que eu reconheço e temo. Recordo esses passos como uma das mais fortes memórias de infância, os mesmos passos que aterrorizavam qualquer um de nós, dentro daquela sala onde os números passaram a ser números e as letras, todas as palavras do mundo.

reconheço-lhe a passada miúda, o semblante carregado e seco, a postura irrepreensível. Sei que, de uma ou outra forma, lhe devo muito do que sou e, para além disso, sou muito do que ela é.

Olho-a novamente, enquanto o meu olhar ainda a pode acompanhar, antes de que a praça se lhe acabe. reconheço-lhe alguma debilidade, talvez derivada da idade ou de qualquer outra rasteira da vida, dessas que nos atropelam sem darmos conta. Vejo-a magra como uma dúvida mas forte como uma certeza e, em silêncio, agradeço-lhe os meus primeiros quatro anos de escola e todos os outros que se lhe seguiram.

"Obrigado sra. professora". Em pé. Naturalmente.

(*) Escrito originalmente no verso de "Adquisición y/o aprendizaje del español /LE", de Marta Baralo, nos inícios do mês de Junho 

(**) Fotografia emprestada, daqui.