quinta-feira, 14 de novembro de 2013

manhã


Viajo entre aquele burburinho matinal que me é completamente alheio. Da autoridade de um semáforo até à obesidade de uma rotunda desfilam edifícios novos, abandonados, habitados ou apenas ocupados. Avenidas infernais que sobem até ao colapso final, invariavelmente vermelho. Vejo, ao longe, pairando, a estátua gloriosa que guia a minha viagem. A minha aproximação faz-se de forma lenta, quase imperceptível, ao ritmo que aquela amálgama de carros permite. Buzinas e rugidos de motores em arranques bruscos e exagues são o retrato fiel de uma qualquer manhã, neste caso, portuense.

Fecho, com algum estrépito, a porta do carro e afasto-me rapidamente da aorta desta cidade; caminho ao longo da calmaria que as zonas residenciais vazias espelham; o eco dos meus passos ressoa nas paredes sisudas dos edifícios que me rodeiam e o silêncio que me transmitem é impenetrável como uma dúvida, indecifrável como um enigma.

Caminho. E esse caminhar faz-me reencontrar comigo mesmo, faz com que me identifique com a cidade que, finalmente, me acaricia com alguns laivos de sol, quentes e frescos, retemperadores; encontro o sol mas procuro, ainda, outras referências. Caminho rua abaixo até encontrar o edifício que me albergará durante estes dias. Finalmente, alheado da rua, do sol, dos ruídos e dos meus pensamentos, a casa das artes faz-se notar.

Dissimulada entre dois muros que a contraem há uma porta que me convida a entrar. Conto, enjeito esse convite e percorro os jardins que se estendem por um espaço indefinido... as suas árvores e arbustos cortam-nos a visão, encaminham-nos para zonas mais próximas do chão, toldam-nos os pensamentos e oferecem-nos uma neblina verde que nos prende, arrasta e impele.

É aí, nesse instante fugaz, nesse ambiente romântico e recôndito que eu esqueço todo o caminho que me trouxe até aqui: dissipam-se os ruídos metálicos e os zumbidos de protesto e o silêncio verde preenche-me com uma acalmia inusitada que me deixa, por fim, reconciliado com o Porto.